Autismo: Mais do que saber, atuar!
- Rita Mendes e Catarina Lorga
- 14 de abr.
- 4 min de leitura
Abril é o mês da consciencialização do autismo — mas porque continua a ser importante assinalá-lo e falar sobre ele? Porque, ainda hoje, olhamos de lado e julgamos no corredor do supermercado quando vemos uma criança a ter o que rapidamente chamamos de “birra”.
Frases como “é mal comportado”, “não fala porque não quer” ou “não come porque os pais não o educaram bem” continuam a ser ouvidas com demasiada frequência quando se fala de crianças no espectro. Estes comentários, além de injustos, revelam uma grande falta de compreensão sobre o autismo.

Atualmente a informação é de fácil acesso, e muito se fala dos sinais de autismo, de ser neurodivergente. Mas será que sabemos mesmo o que é? E sabemos como nos ajustar e ajudar as famílias na situação do corredor do supermercado?
Sim, ouviu bem, há um mês direcionado para a consciencialização do Autismo, uma perturbação do neurodesenvolvimento que é “invisível aos olhos” e tantas vezes é julgado por estereótipos de uma sociedade com pouco ou nenhum conhecimento. São os seus comportamentos que são julgados, as atitudes dos familiares mencionadas como irresponsáveis, mas não há ninguém que pare e pense “porque será que está a fazer aquilo?”
Vamos parar para pensar sobre os comentários que todos já ouvimos, para que numa próxima vez possamos ser um suporte para quem está a passar pela situação e não mais um olhar julgador.
1 - “que mal comportado”: pois bem, este é um comentário que tem muito que se diga. Ora vejamos, as pessoas com autismo têm alterações no processamento sensorial que impactam de forma negativa a forma como conseguem gerir os estímulos do ambiente. Por isso, manifestam comportamentos desregulatórios (visto como birras) que são apenas um alerta e uma forma de dizer “este estímulo não consigo tolerar”. Têm também alterações no desenvolvimento emocional e comportamental, que geram dificuldades em gerir as emoções, sentindo-as de uma forma mais exacerbada e, por isso, têm mais dificuldade em aceitar um “não”, manifestando comportamentos desajustados como berrar, atirar para o chão, etc. Necessitando desta forma do outro para se regularem.
Este “mau comportamento” pode ainda advir das dificuldades que a pessoa apresenta ao compreender o que está acontecer, as alterações no meio e as informações que lhe são dirigidas. Acrescentando ainda o facto da possível limitação na comunicação.
Assim, sempre que observar esses comportamentos e uma Mãe/Pai/Cuidador aflito para voltar a regular a criança, não julgue, pergunte apenas se precisa de ajuda ou o que pode fazer para ajudar, pois muitas vezes, o tempo é a melhor ajuda para a reorganização/regulação.
2- “não parece autista”: verdade, pois é invisível aos olhos, não traz características físicas, mas sim de regulação, envolvimento, comunicação e sociais. Mas isto não significa que não precisam de adaptações dos contextos perante as suas dificuldades, pois estas estão lá, mesmo que sejam invisíveis a quem apenas olha e não interage. E mesmo em pessoas de alto funcionamento, as dificuldades sociais, de comunicação e sensoriais continuam a persistir, pois o autismo não tem cura. Vamos assumir o diagnóstico “vitalício” e fazer um esforço para ajustar os diferentes contextos que estas pessoas vão frequentando ao longo da vida, pois as dificuldades são reais e não desaparecem, mesmo com intervenção.
3 - “não fala porque é preguiçoso”: um dos maiores mitos associados ao autismo! A fala pode não estar a surgir por duas razões: dificuldades no envolvimento e relação e/ou dificuldades do foro sensorial, nomeadamente nos sistemas vestibular e tátil, e de práxis. Para a primeira dificuldade, cabe-nos a nós pensar se estamos a criar interações e momentos prazerosos para a pessoa, onde ela sinta vontade de comunicar connosco pois, mesmo connosco pessoas neurotípicas, a vontade de comunicar em ambientes aborrecidos é nula, verdade?
Para a segunda dificuldade, é importante procurar ajuda junto de um terapeuta Ocupacional com formação em Integração Sensorial e um Terapeuta da Fala que trabalhe na área do autismo, pois estas competências têm de ser trabalhadas e aprimoradas para facilitar o processo de aquisição da fala.
E nunca é demais relembrar que, até ser eficaz a comunicar através da fala, a pessoa com autismo tem o direito de comunicar, qualquer que seja a forma, por isso, quando vir alguém com um sistema de comunicação (gesto, fotografias, pictogramas) tente perceber como usar e use, pois é a “fala” dessa pessoa.
4 - “não come porque não lhe dão”: a seletividade alimentar é outra característica do autismo, podendo estar relacionada com questões sensoriais. Sem um sistema sensorial organizado, processar a textura, cor e cheiro dos alimentos pode ser um verdadeiro desafio, bem como a falta de competências motoras suficientes para os mastigar. Perante estas dificuldades, procurem um Terapeuta Ocupacional com formação em Integração Sensorial e, de preferência, com formação também na área da alimentação. Não force, não obrigue, estará a agravar ainda mais as dificuldades.
Vivemos numa sociedade que sabe que existe o autismo, mas que tem muito pouco conhecimento acerca desta perturbação e das suas características, e estas famílias que a vivem em primeira mão enfrentam desafios diários à participação e inclusão social, sentindo-se praticamente sozinhas neste percurso, pois tudo o que envolve contextos sociais é um verdadeiro desafio: sejam idas ao supermercado, cabeleireiro, parques infantis, festas de aniversário, etc., acabando por se isolarem, com medo do julgamento e por falta de compreensão da sociedade.
É essencial compreender que o cérebro de uma pessoa com autismo perceciona e integra estímulos e informações de forma diferente — isto não é um capricho, nem resulta de uma falha na educação. Muitas vezes ouvimos falar da importância da igualdade, mas quando se trata das perturbações do neurodesenvolvimento, o que realmente está em causa é a equidade. Enquanto a igualdade implica tratar todos da mesma forma, a equidade reconhece as diferenças e procura dar a cada pessoa o que ela realmente precisa para ter as mesmas oportunidades de participação e desenvolvimento.
Por isso, não faça parte do problema, faça parte da solução. Seja um facilitador, ajude aquela família no corredor do supermercado, quebre as barreiras que as famílias e as pessoas enfrentam diariamente. Seja empático e calce os sapatos do outro. Procure informar-se.
Palavras-Chave: autismo; abril; consciencialização; conhecimento; equidade; inclusão; empatia
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